Paulo Veríssimo (1947-2008) foi um dos mais extraordinários realizadores do cinema carioca na segunda metade do século XX. Paraense criado em Copacabana, com passagem no time juvenil do Fluminense, Veríssimo começaria no cinema em coletivos cinematográficos ao sabor dos anos 1960-70. Com um primeiro grupo ganharia um dos primeiros Festivais JB, e com o Grupo Câmera faria Como vai, vai bem?, trazendo para o universo carioca seu fascínio pelas comédias italianas. Cinéfilo culto mas de índole popular, vanguardista, tropicalista de primeira hora, malandro, sambista, Veríssimo faria uma série de filmes ficcionais a partir das memórias da resistência dos tupinambás aos portugueses na fundação do Rio de Janeiro, que culminariam em Bahira, o grande Burlão, em que celebra com seu cinema de invensão sua amizade com o grande indianista Nunes Pereira, e no seu, hoje mitológico, longa-metragem Exu-Piá, Coração de Macunaima, versão personalíssima do clássico de Mário de Andrade, em que conta com as parcerias de Grande Othelo e de Antunes Filho, cuja versão teatral do livro dá o impulso inicial ao filme. Frente a uma Embrafilme onde não tinha vez, cooptada pelos “bispos do Cinema Novo”, como ele dizia, Veríssimo sobrevive com sua câmera produzindo para a televisão, fazendo pequenos filmes comerciais para fregueses inusitados, produzindo filmes eróticos realizados no carnaval e filmes pornôs para produtores estrangeiros. Morador precoce do Retiro dos Artistas, Veríssimo tem hoje sua obra quase inteiramente perdida para a tristeza daqueles que viram seus filmes, importante e original expressão daquele cinema brasileiro.

Filmografia

. Jorge Bem, mas que nada, média-metragem, documentário feito para a televisão, 1968 

. Milton Nascimento: a travessia, média-metragem, documentário feito para a televisão1969 

Baden powell, refém da solidão, média-metragem, documentário feito para a televisão1970

Rio de Paulinho da Viola, média-metragem, documentário feito para a televisão  

Quarto Movimento, curta-metragem ficcional, 16mm, 1966, premiado no Festival de Curtas-Metragens JB-Shell. “em 1966 a gente se junta no cineclube, compramos uma câmera, duas câmeras Bolex, e eram 15 caras, o filme tinha três fotógrafos, dois montadores, tudo duplicado, dobrado, porque todo mundo tinha que participar do filme, e eu fui autor do roteiro e argumento, e comecei a dirigir o filme, e durante a filmagem teve um golpe de estado, que eu fui demitido da direção do filme, e entrou um cara que treinava os atores, que era o Joel Macedo. Aí em seguida, terminada a filmagem, teve um outro golpe de estado, que aí o cara pegou pra montar, eu comecei a filmar, aí teve um outro cara que pegou pra dirigir, e um outro cara levou pra montar. (…) O filme conta a história de um garoto adolescente, que se revoltou contra a caretice familiar, dos colégios, da instituição, e tal, e fugia, e virava comunista. Ia encontrar os caras no morro, pra fazer a revolução. E tinha uma namorada dele que era de esquerda também… Então era um filme adolescente, do cara que descobre como ser oposição a tudo aquilo em que ele está, e como o júri do Festival era todo comunista, em 1966, inclusive o Cosme Alves, só tinha PC na porra do júri, e o filme não foi nem julgado pelo mérito, inclusive eu falei isso na porta do cinema, olha, eu jamais esperava ganhar o Festival – e aí ganhou o Festival – tinha filmes melhores, inclusive o primeiro filme do Rogério Sganzerla concorreu com o nosso, o primeiro filme do Neville D’Almeida concorreu com o nosso… É o Documentário, que é genial, eu acho genial esse filme. Eu falei isso com o Sganzerla na porta do cinema, é uma sacanagem eu ter ganho, e ele falou, ‘pô, que é isso…’”.

Como vai, vai bem?, longa-metragem, ficção, 35mm, 78’, 1968, comédia de costumes ambientada no Rio de Janeiro realizada pelo Grupo Câmara formado por jovens realizadores dividida em oito episódios com Flávio Migliacio e Paulo José. Veríssimo escreveu o roteiro e dirigiu o episódio “Os meninos do padre Bentinho”. O ponto de partida teria sido um argumento de Veríssimo, “Alfavela”, numa referência paródica ao “Alphaville” de Godard. Tentativa de um filme popular, urbano, com alusões à comédia italiana e à chanchada brasileira, a opção pela “socialização da informação”. Produção- Luiz Paulo Pretti; fotografia- Alberto Salva/Luís Paulo Pretti; som- Hélio Barrozo Netto/Celso Muniz; montagem- Alberto Salvá; elenco- Paulo José/Flávio Migliaccio/Hugo Carvana. 

Balada do clube da esquina, 1974. Média-metragem, Documentário feito para televisão. Produtora Battaglin Produções Cinematográficas.

A imagem do índio, média-metragem, 51’, 1978, panorama abrangente sobre a situação do índio brasileiro com trechos ficcionais. (O CTAV tem o positivo do filme).

Antropofagia, “Oswaldo me apresentou o Mário. E aí os manifestos do Oswaldo, eu saí para o carnaval carioca com a câmera, procurando situações que retratavam seus manifestos. E foi isso o que foi feito”.

Bahira, o grande Burlão, curta-metragem, 11’, cor, 16 mm, 1979, o indianista brasileiro Nunes Pereira folheia sua obra “Bahia e suas experiências”, baseado no grande herói da cultura dos Caufua-Parintintin e suas narrativas místicas, em sua biblioteca, quando começa a contar os ensinamentos que os índios lhe transmitiram em mais de quarenta anos de convivência. Nunes sai de casa e embarca em um bondinho de Santa Teresa onde surgem os índios. Realidade e mito começam a se confundir. Primeira incursão na temática indígena e o estabelecimento do modo como ela apareceria em todos os seus filmes seguintes, mesclada ao espaço urbano como herança viva. Os valores de Bahia e os valores do cinema de Veríssimo: em uma comparação do Macunaíma de Joaquim Pedro com o Exu-Piá de Veríssimo vê-se que o último substituiu a ironia amarga do primeiro por um “cafajestismo sensual e poético”. “Nunes Pereira foi uma pessoa com quem eu convivi nos últimos oito, dez anos de vida dele. Ele morreu com 88 e nasceu no mesmo ano de Mário de Andrade, diga-se de passagem que ele deixou uns 120 livros escritos. Ele morou mais de quarenta anos com os índios da Amazônia brasileira e era um velhinho notável. Ele foi um desses descobridores das lendas originais de Macunaíma, do herói Macunaíma, que Mário de Andrade vinte anos depois ia ler e se inspirar para fazer o romance. O Mário leu as lendas através do Nunes e do …, que era um alemão que pesquisava na Amazônia o lendário dos heróis da época. O Nunes sempre se identificou muito com esse tipo de heróis, ferinos, sarcásticos, eróticos.” Produção- Cintia Garcia/Marta Irene/Paulo Veríssimo; fotografia- Edson Batista/Renato Laclete; montagem- Carlos Alberto Camuirano, produtora- CORCINA, premiadoi no Festival JB de 1979.

Antropofagia ou Mais fortes, catiti catiti, são os poderes do jabuti, curta-metragem, 11’, cor, 35 mm, 1979, episódios satíricos recriados a partir do manifesto antropofágico e da poesia do Pau-Brasil de Oswald de Andrade. O cenário é o carnaval de rua do Rio e os personagens são índios, sacis, clóvis, odaliscas, palhaços, mulatas e macacos. Produção-Cintia Garcia/Marta Irene/Paulo Veríssimo; fotografia- Edson Batista; som- Roberto Leite; montagem- Emiliano Ribeiro/Mariza Leão, produtora CORCINA.  

Indianidade, curta-metragem, 5’, cor, 35 mm, 1979, índios se aventuram pela cidade do Rio de Janeiro. Um guerreiro karajá desce o morro; um grupo parintintin faz um ritual dabacuri no bonde com o velho indianista Nunes Pereira, um tuxuaua tupinambá percorre a cidade de táxi. Dentro do contexto das lutas pela preservação da natureza, o indígena assume um papel simbólico de guardião das reservas naturais. O filme parte da premissa de que existe um pouco de indianidade dentro de cada um de nós. Roteiro- Paulo Veríssimo/Cintia Garcia/ Marta Irene; fotografia- Edson Batista/Renato Laclete, montagem- Rubens Amorim, produtora CORCINA.

Aimberê, tuxaua do Brasil, curta-metragem, ficção, 12’, cor, 35mm, 1979, Aimberê, líder da Confederação dos tamoios na luta contra os colonizadores, morto pelas tropas de Estácio de Sá, e sua cunhâ Iguaçu retornam ao Rio de Janeiro quatro séculos depois em busca de rastros de sua tribo. Produção-Cintia Garcia/Marta Irene/Paulo Veríssimo; fotografia- Edson Batista/Renato Laclete; montagem- Rubens Amorim; produtora CORCINA. 

Sonhos e lendas Karajá, curta-metragem, ficção, cor, 35mm, 1979

. Hariuá, o sonho Karajá, curta-metragem, ficção, cor, 35mm 1979, adaptação cinematográfica da lenda “INÃ SON WE RA” recolhida por João Américo Peret. Zékarajpa dorme em seu barraco e sonha com o tempo em que sua tribo era formada por Aruanás, peixes que habitam as entranhas da terra. Fotografia- Edison Batista; montagem- Rubens Amorim; elenco- Zeca da Cuíca/Luzia Tigresa/Grão Vizir Besouro, produtora CORCINA.

Memória Cafusa, 1979

Exu-Piá – Coração de Macunaíma, longa-metragem, ficção, 124’, cor, 16 mm, 1984, adaptação cinematográfica de “Macunaíma”, de Mário de Andrade. Dois Macunaímas viajam pelo Brasil atual e procuram rastros do seu criador Mário de Andrade, com a esperança de que ele possa mudar seus destinos de “heróis sem nenhum caráter”. Para isso, eles devem recuperar a Muiraquitã, o amuleto mágico símbolo da identidade nacional, que novamente caiu nas mãos do gigante Piaimã, comedor de gente.  O projeto começa em 1979 com o registro que faz Veríssimo da encenação teatral de “Macunaíma” dirigida por Antunes Filho, e só terminaria – mas Veríssimo nunca cessaria de acrescentar cenas ao filme – em 1983, depois de problemas com liberação de verba da Embrafilme. Tratava-se de um projeto bastante amplo que previa, entre outras coisas: produção de um programa para a tevê, lançamento de um livro e de um LP com a trilha sonora do filme feita por Marku Ribas, e um concurso de monografias sobre o filme entre alunos do 2 grau etc. A intertextualidade como dado original do próprio livro, bricolagem de diversas lendas etc. O diálogo travado entre seu filme e o de Joaquim Pedro. Produção- Irene Ferraz; fotografia- José Sette de Barros; som-Carlos de La Riva/Zezé D’Alice/Carlão/Sílvio Da-Rin/Serge Guitton; montagem- Carlos Cox/Pery Cavalcânty; elenco- Grande Othelo/ Carlos Augusto Carvalho/Joel Barcelos, produtoras- Corcina/Marupiara Produções de Arte/ Centro Cultural Mário Macunaíma/ Jabuti Press/Sky-Light Cinema. Premiado como melhor filme em 16 mm no Festival de Brasília 1985.

A estrela tainá-kan vista do Estácio, curta-metragem, ficção

. A cabeleira urubu-rei do Estácio, curta-metragem, ficção

A visão do gavião tupynambá, curta-metragem, ficção

Entrevista

Imprensa

Transcrição da entrevista

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